By ɓʀuɳѳ ɦɑʀɗy
Nas duas últimas semanas temos ouvido muito sobre o projeto de lei do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que procura criminalizar "jogos ofensivos". O PL recentemente teve sua força diminuída, devido a perda do apoio do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que retirou seu voto de aprovação.
Apesar disso, e dos vários passos pelos quais o projeto deverá passar ? aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aprovação no Plenário, revisão na Câmara dos Deputados para então, se não houver necessidade de emendas, entrar em vigor ?, há uma possibilidade de que futuramente os jogos de que gostamos sejam vistos como ofensivos e tenham sua venda proibida. sto é, se nenhum juiz determinar a inconstitucionalidade da lei e anulá-la.
Senador Valdir Raupp, autor do PL 170/06
Quem explica isso é o advogado Alexandre Rodrigues Castilho, 25, cujo TCC foi justamente sobre a "(In)validade da Proibição dos Videogames no Brasil". "Nesse estudo, procurei acatar fundamentalmente as decisões judiciais que à época vinham proibindo o comércio de determinados títulos no cenário nacional", disse Castilho. Em específico, ele se refere à ocorrências como a proibição de Counter-Strike e Everquest, que ocorreram no país há pouco menos de quatro anos. "Para isso, busquei trazer a natureza da propriedade intelectual dos games, a proteção que ele recebe em cenário internacional, o conteúdo preconceituoso de algumas sentenças e a sua fragilidade técnica ao proibir os games."
Em linhas gerais, o argumento de Castilho é o de que videogames, por serem uma propriedade intelectual, são protegidos pela Organização Mundial do Comércio, da qual o Brasil é signatário.
Por conta disso, a proibição que o senador Valdir Raupp quer impor com seu projeto de lei pode ser determinada como inconstitucional por qualquer juiz ciente disso. No entanto, a lei precisa ser primeiramente aprovada, e só então poderá ser anulada.
Mas nisso encontramos um problema. Apesar de serem vistos mundialmente dessa forma ? como propriedade intelectual - por organizações, há uma indecisão por parte do governo brasileiro em caracterizar videogames como o resto do mundo. "Infelizmente, no Brasil, de maneira errônea, os games não são encarados como produto integrante do gênero propriedade intelectual, apesar do nosso País ser um estado-membro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)."
Para a OMPI, propriedades intelectuais são invenções, obras literárias e artísticas, símbolos, nomes, imagens, desenhos e modelos utilizados pelo comércio. Propriedades intelectuais são ainda divididas em duas áreas, a Propriedade Industrial e o Direito Autoral. É neste último que estão os softwares de computador, dentro do qual estão os jogos eletrônicos.
"O vídeogame hoje é considerado direito autoral na indústria cultural de forma equivalente às produções relacionadas a cinema, música, televisão, publicidade e até mesmo moda. Ou seja, em nada podem ser diferenciados de livros, filmes, programas de TV e outras formas de entretenimento que recebem a mesma espécie de proteção."
Diante disso, por que há relutância em classificar os jogos como propriedade intelectual? "Particularmente, acredito que o poder estatal não percebe os games como propriedade intelectual por puro preconceito e ignorância", diz Castilho. "Essa visão retrógrada em relação aos games não se restringe apenas ao Legislativo, como está sendo mostrado com o projeto de Lei n. 170/2006, de autoria do Senador Valdir Raupp."
Castilho vê um exemplo claro disso na citada proibição de Counter-Strike e Everquest (Counter-Strike acabou voltando serpermitido em nosso país, graças a uma intervenção da EA).
Levando em conta esse desconhecimento sobre o assunto e essa incerteza em chamar jogos no Brasil de propriedade intelectual, o PL 170/06 pode ser bloqueada por um juiz que entenda de acordos de proteção internacional? "Em tese, sim."
"Digo 'em tese' em razão do aparente desconhecimento deste universo por grande parte dos magistrados. Como a Constituição Federal reconhece na legislação interna a força dos tratados internacionais aos quais o Brasil tenha manifestado adesão (art. 5º, LXXVIII), o juiz pode entender, em um caso concreto, que tal lei fere os tratados internacionais e, consequentemente, a Constituição, determinando a não aplicação da Lei já em vigor em determinada decisão."
"Mas essa decisão não teria efeito a todos (os casos), uma vez que esse controle de constitucionalidade teria sido feito só em um caso isolado. Para se atacar a Lei em si e declará-la inconstitucional, seria necessária a abertura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade." Todas essas medidas, no entanto, só poderão ser colocadas em prática no caso da aprovação da lei. " E mais, no caso da OMC, este acordo deve ser aplicado internamente sem qualquer reserva de interpretação. O conceito de propriedade intelectual, inclusive, já está implícito como o modelo a ser usado pelos países signatários."
Isso não significa que a OMC, percebendo uma lei que vai contra o acordo, irá interferir diretamente para que a decisão seja anulada. "O sistema de sanções da OMC deixa muito a desejar e permite que o país derrotado em uma disputa mantenha uma decisão tida como ilegal pela OMC."
Portanto, mesmo que vá contra acordos assinados pelo Brasil, caso o assunto não seja levado a um juiz que entenda o tema, ela poderá permanecer em vigor. Para Castilho, a solução para que isso não ocorra é clara: "Eu só consigo visualizar uma mudança na concepção dos parlamentares e magistrados com a participativa fiscalização da comunidade acadêmica e, mais importante, da população."